CHAMADO PARA REFLEXÂO – AS TORRES GÊMEAS 11 de abril de 2018 Estamos vivendo o despertar de um momento crítico, com incertezas sobre o futuro, com medo do presente e sem referencias do passado – ancestral, espiritual, histórica, etc. É o resultado por termos criado uma sociedade altamente desenvolvida e muito pouco evoluída, com uma cultura que cultua o descartável e o tecnológico e que despreza o perene e o teológico, que divinizou o novo e que substituiu o real pelo espetáculo virtual da tecnologia da imagem. Mas, como todo momento de caos pode ser entendido como o anúncio de uma nova ordem, faz-se oportuna, para não dizer inadiável, uma profunda reflexão sobre o que está acontecendo. E, quem sabe, compreendermos que estamos vivenciando o começo do fim de um ciclo para o início de um outro ciclo, que pode ser, dependendo das nossas vontades e atitudes, muito mais evoluído do que o atual. Reflexão significa, simultaneamente, reproduzir a imagem, espelhar (-se), especular (-se) ou flectir, dobrar (-se), curvar (-se). Desta forma, podemos nos inclinar para ver o que está caído e especular seus reflexos. Com isso possibilitamos a ampliação e a diferenciação sobre tudo o que está acontecendo. Com a ampliação nós colocamos uma lente de aumento sobre os fenômenos e podemos ver e distinguir vários aspectos do que está acontecendo e, conseqüentemente, diferenciar as partes, reconhecer os conteúdos que estavam sombreados na nossa consciência e identificar as relações intrapessoais e extrapessoais que influenciaram o fenômeno. O movimento desenvolvimentista, tecnológico e racional, que marcou este ciclo que está findando, que pode ser nomeado como ciclo do Patriarcado, e que ficou focado no racionalismo, na abordagem mecanicista do mundo e numa necessidade imprescindível de hierarquização, contaminou e dominou a humanidade provocando um enorme desequilíbrio tecnológico, ecológico, militar, espiritual, ou seja, em praticamente todas as instancias humanas, planetárias e, quem sabe, cósmica e universal, produzindo muito mais desajuste e sofrimento. Os conhecimentos da física, da psicologia, da medicina e da cosmologia afirmam que: toda vez que a energia fica muito polarizada, um mecanismo compensatório e regulador entra em ação, na tentativa de restabelecer uma ordem mais harmoniosa e superior. Este é o princípio de Caos e Ordem que rege o universo, nas vertentes microcosmicas e macrocosmicas. Jung tomou emprestado dos Gregos o termo enantiodromia, que significa andar para trás, e já afirmava que esta é uma lei inquestionável, é o pêndulo natural que impõe uma freqüência ondulatória e cíclica na natureza. Todos os conteúdos desenvolvidos, neste processo de crescimento caótico e unilateral da razão e da tecnologia, que não foram integrados ficaram sombreados e assombrando a humanidade. Por não terem sido integrados não proporcionaram a transcendência e a conseqüente evolução. Estes conteúdos, para continuarem desenvolvidos – afastados da nossa vida, sem nos envolver – exigem da nossa consciência um contínuo controle e uma eterna vigília, pois no menor descuido eles podem nos invadir. Porém, como a Psicologia Junguiana afirma, estes conteúdos fazem parte da Sombra e esta, quando não é reconhecida e integrada pela consciência, através de uma atitude de coragem e de humildade do Ego, produz terror e terrorismo, tanto no individual como no coletivo, além de serem projetados sobre os outros como uma tentativa desesperada do Ego para se livrar dela.. Estamos vivendo um tempo de violências e de injustiças. Não é mais possível conviver com tamanha desigualdade cultural, social, econômica, de acesso a serviços básicos, etc. O Cosmos e o Humano estão dessacralizados, o material superou o espiritual, não existe compromisso frente às causas ambientais, igualitárias, étnicas, raciais, religiosas, etc. Não estamos compreendendo que o chamado é para um pensar Global/Cósmico e para um agir local. Será que no lugar de um medo sem sentido não podemos nos engajar em uma causa com sentido? Será que não devemos repensar as posições que os EUA, G-7, Sistema Financeiro Internacional, envolvidos em um modelo econômico acirrado pela competição hierárquica e pela globalização, tomaram frente à biodiversidade, melhor distribuição de renda no planeta, ciência e tecnologia com respeito ecológico e cósmico, respeito teológico, igualdade e reparação aos danos étnicos e raciais desde os tempos da escravatura, enfim amor Ágape que é o amor universal e verdadeiramente democrático e social? Vale a pena também refletirmos sobre algumas antinomias, paradoxos bipolares, que estão presentes nesta discussão: Ditadura x Democracia: Como pode um país que se orgulha da sua democracia ser tão ditatorial para com a política exterior? Este é o sintoma claro de um desenvolvimento sem a respectiva integração. Quem de fato abriu mão do poder centralizador e autoritário da ditadura, de forma evoluída, não pode continuar preso a ela. A verdadeira democracia cristã era para todos, independente de raça, credo ou posses. Era para dentro e para fora. Da mesma forma, como podem as organizações internacionais cujo mandato é promover a paz e a justiça social reforçar cada vez mais o paradigma vigente? Prepotência x Impotência: Toda vez que se deseja uma potencia a priori, previa e antecipada, se cria o medo e o pânico da impotência posterior, projeta-se à impotência no exterior e acaba atraindo o sombrio pêndulo para impor o equilíbrio. O saudável é o natural que, por si só, é potente. Controle x Descontrole: Todo controle gera um contra controle, esta é uma máxima psicológica muito antiga. Controlar é sinônimo de refrear ou criar mecanismos que possam impedir o processo natural. Ir contra o rolar da vida é impedir ou interditar a própria vida. Quem controla sempre vai incidir no medo do descontrole. A saída é deixar rolar, ou seja, permitir que a natureza flua sem amarras e sem jogo de poder. Poderíamos continuar este exercício com muito mais polaridades, como: Envolvimento x Comprometimento, Tecnologia x Teologia, Ética x Estética, Virtual x Real, etc. Porém, prefiro caminhar um pouco mais na direção do medo que está assolando a humanidade. Medo que nos aproximou do fim último e das questões do sentido e do significado da vida, medo que nos levou para posições partidárias e corporativas e para a busca do velho bode expiatório, mas que pode ser útil para repensarmos a vida, a inutilidade do acúmulo de bens e a nossa fragilidade. Medo que nos levou para a ansiedade de separação do ciclo Patriarcal, por estar anunciando o outro ciclo, que pode estar por vir, e que pode ser nomeado de ciclo da Alteridade, onde o vertical dará lugar ao horizontal, a hierarquia cederá para a igualdade fraterna e o Amor filial cederá ao amor Ágape, lembrando que o primeiro é partidário e corporativo e que o segundo é universal e incondicional. É interessante vermos como que as crianças lidaram com este fenômeno, muitas delas não perceberam que não era um filme de ação ou um novo “game”. Afinal de contas, elas estão muito íntimas com esse tipo de cena no mundo virtual. Porém, é preciso lembrar que o cérebro, muitas vezes, não consegue distinguir o real do virtual. O simulacro tem um enorme poder e pode influenciar a vida de muita gente. Este é o tipo de conteúdo que estamos recebendo, de maneira subliminar, já há muito tempo. Até parece que o inconsciente coletivo da humanidade já estava à espera deste episódio e treinava-nos, continuamente e maciçamente, nos simuladores virtuais da indústria cinematográfica e de jogos eletrônicos. Estas crianças, com certeza, não tiveram medo até serem contaminadas pelo medo de seus pais. Porém este medo já não pode ser encarado como o medo genuíno e legítimo, despertado pelo fenômeno, mas um medo que passou pelas lentes e pelo viés de seus pais. Desta forma, se os seus pais demonstrarem segurança eles também ficarão seguros. O medo nos aproxima de Pã, divindade grega, meio humana meio animal, que se satisfazia com excesso sexual – amor pornéia – e de assustar os incautos que por ele passavam, provocando Phobos – medo. Com medo as pessoas repensavam a vida e refletiam sobre o caminho percorrido e o caminho a percorrer. Então Pã não era de todo ruim, pois ele possibilitava uma auto-análise e uma tomada de atitude e a busca de equilíbrio harmonioso frente os instintos, as emoções e a razão. Será que esta castração fálica – simbolizada pelas torres – que os americanos sofreram não pode fazer com que eles entrem em contato com as suas feridas narcísicas e repensem a vida? Com menos poder, mais democracia interior e exterior, menos consumo de substancias psicoativas e pílulas, álcool, fumo, pornografia e futilidades. Ou seja, mais amor Ágape e menos amor Pornéia? As torres podem representar, simbolicamente, a queda do ego – condição básica para a mudança de ciclo – e do orgulho coletivo. Este infortúnio pode despertar a humanidade para caminhos de crescimento, com o surgimento de uma nova ordem mundial, da Alteridade, baseada na inclusão (em todos os sentidos), ou na tentativa desesperada e mais mal afortunada de manter e até fortalecer esta ordem, Patriarcal, de exclusão e de desequilíbrios hierárquicos. O medo e o terrorismo sempre são conseqüência de controle exagerado e unilateral, de pouca fé ou de pouca certeza sobre o sentido existencial. Com isso podemos perceber que o melhor antídoto para o medo e para o terrorismo é o autoconhecimento e a busca de um sentido e de um significado para a vida. Quem consegue se entregar para a vida suporta a morte e se sente seguro. Mas para isso é preciso abrir mão dos apegos transitórios do Ego e das ilusões que nos paralisam para a vida. A unilateralidade gera unilateralidade, a violência produz mais violência, o medo ativa mais medo e paralisias e dominação. A única saída é o desarmamento, a crença de que a natureza é sábia e que a vida flui melhor sem amarras e sem controle. No novo ciclo não podemos mais tolerar a intolerância e a falta de humor, não podemos mais viver as exclusões, é absurdo vermos o que o radicalismo extremista produz, os extremos são abomináveis. O caminho apontado pela Alteridade é a comum união – comunhão – de toda a humanidade, que produzirá, como conseqüência natural, a queda de todos os extremismos, sejam eles consolidados na riqueza econômica, no poderio bélico/militar, no domínio tecnológico ou no fundamentalismo religioso. Na Alteridade, o sistema de ordem social não é o da hierarquia, inerente ao Patriarcado, nem o da Anarquia, inerente ao Matriarcado, mas o da Sinarquia: que é um modelo onde todos possuem um estreito relacionamento com a arqueia (os fundamentos e as bases arquetípicas da sabedoria e da autoridade), com distribuição horizontal e inclusiva do poder, dos deveres e das obrigações, éticas, morais e estéticas. É evidente que, com estes eventos insanos e terríveis, violentos e violadores, somos tomados pelo espírito de medo e do terror que desemboca em uma anomia (ausência de ordem social) e em sintomas psicossomáticos dos mais variados graus e tipos, manifestando-se desde uma simples urticária até um câncer altamente devastador ou uma virose letal, desde um insignificante tique nervoso desapercebido, como não parar de sacudir a perna – quando se está sentado – até comportamentos obsessivos com exagero de trabalho ou consumo de alimentos, drogas ou mercadorias podendo chegar às atitudes psicopáticas e sociopáticas. Atualmente é mais do que evidente que existe uma estreita relação entre os sistemas psíquicos, neurológicos, endocrinológico e imunológico, daí que surgiu o estudo de psiconeuroendocrinoimunologia – PNEI. Por isso é que devemos cuidar dos nossos pensamentos e das emoções que interferem na elaboração dos fenômenos e das experiências da vida. O chamado é para a integração não para a busca de controle, supremacia ou perfeição. Só o indivíduo íntegro e cônscio de suas polaridades, suas sombras e de seu caminho de realização é que estará protegido desta paranóia social, bem como poderá se transformar em uma célula reformadora e revolucionária para um mundo melhor, sem medo e com coragem – ação do coração – sintonizado em seu sacro ofício pelo amor Ágape, que é o amor universal e incondicional. Mas, para isso, precisamos passar pela agonia das incertezas, pela aceitação da nossa condição mortal e fraca e pela transformação da nossa vida, rasa e sem sentido, através do aprofundamento e da angustia que podem nos remeter para a transcendência e para a busca de sentido e de significado para a nossa existência, apesar do momento mundial que, em função da globalização despersonalizadora, das dúvidas e da violência que grassa em nossas vidas. Ou seja, tornarmo-nos singulares na pluralidade e realizados apesar das incertezas é o que Jung chamaria de individuação, Chardin de ponto Omega, e os iniciados de iluminação ou transcendência. Finalizando, devemos encarar estes terríveis acontecimentos como um sintoma coletivo, que está assolando toda a humanidade, que é o reflexo da somatória de todos os sintomas individuais. Como os sintomas são expressões simbólicas que denunciam, de forma violenta, a polaridade e a falta de aprofundamento em si mesmo, mas também apontam para uma saída que pode ser mais virtuosa do que as atuais, apesar de tantas incertezas, poderemos, portanto buscar a interioridade e o sentido evolutivo para tudo isso. * WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com