O PT E A SOMBRA 11 de abril de 2018 Apesar de trágica a situação do PT pode nos dar um grande entendimento sobre a influencia da persona e da sombra, arquétipos advindos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung, sobre a humanidade. Esses arquétipos estão presentes em todas as instâncias psíquicas, da mais íntima a mais coletiva, obviamente, interferindo tanto no foro privado como no público. O interessante é que situações como essa vão se repetindo quase que sucessivamente nos cenários políticos e sociais da história humana e, mesmo assim, tanto os dirigentes como os seus conselheiros não conseguem perceber a importância destes arquétipos. Persona e sombra são opostos complementares que possibilitam a intersubjetividade humana, tecendo o pano ético, político e cultural das sociedades. A persona é o verniz relacional, deveria ser a fachada assumida, pelo ego, para possibilitar a realização dos nossos maiores ideais. A sombra, mais inconsciente, é o contraponto do ego, é o arquétipo que, apesar de grande potencialidade criativa e evolutiva, traz à tona os nossos instintos mais primitivos, os nossos medos e os nossos desejos inconfessos. O embate entre esses dois arquétipos, para quem vive numa sociedade como a nossa que valoriza o espetáculo, geralmente efêmero e superficial, e a segurança do ter exterior ao invés do ser interior, acaba gerando angústia e, na maior parte das vezes, desejos de negação da sombra através de mecanismos de projeção transferêncial. Ou seja, os aspectos sombrios negados em mim acabam sendo projetados no outro, privado ou público, individual ou coletivo, e rechaçado veementemente. Com isso, um ego que nega os aspectos sombrios do ser, identificado exclusivamente com sua persona e inflacionado com o poder, como deve ser o caso do PT governista, tende a ficar tão iludido com sua atuação a ponto de não mais poder olhar para si mesmo. Essa situação possibilita as surpreendentes atitudes de auto-engano, porque as pessoas que negam sua sombra se tornam partidas, neuróticos cindidos em si mesmos que se refugiam nas atitudes normopáticas da persona capitalista. Essa situação, na maior parte das vezes, acaba estimulando as pessoas a procurarem filiações em partidos políticos, religiões ou outros tipos de associações vinculadas a algum tipo de identificação coletiva, para terem a sensação de estarem pertencentes e inteiras, porém quase sempre sem a verdadeira integridade. Para mim, o auto-engano é a maior doença da humanidade. É um vírus que está muito presente na maioria das elites, que assumem atitudes excludentes e sectárias, atualmente de viés capitalista e neoliberal, da mesma forma que vai contaminando, devido a seu poder de transmissão inextinguível, a maioria dos políticos. Então, o que aconteceu com o PT, partido que está se partindo, em vários sentidos, não é muito diferente do que acontece com as pessoas, na sua intimidade e mais profunda individualidade. Devemos tratar o PT como um indivíduo que está em crise após sofrer um viés enantiodrômico, que representa o caráter pendular da natureza, manifesto nas trágicas quedas ou “tombos” que a vida nos dá. Por isso, não podemos transformar o PT em um bode expiatório e eliminá-lo por meio de atos sacrificiais de purificação maniqueístas, como deve ser o desejo das muitas elites dominantes, porque todos os seres depois de uma crise amadurecem. Quem sabe esse escândalo, esse tropeço, possibilite a cura, ou seja, uma maior consistência ao PT. Com isso, o partido poderá ficar mais inteiro, mais atento às suas sombras e começar, de fato, a agir em nome da sua verdadeira vocação. Essa nova atitude, com a sombra mais consciente, poderá diminuir o risco da inflação do ego, que sempre se fascina com o poder, da mesma forma que contribuirá para diminuir a excessiva preocupação com a persona. Só assim o PT e todos os demais partidos políticos, religiosos, raciais ou culturais, possam perceber que na imanência ontológica de todo ser humano existe um chamado evolutivo em busca da integração harmoniosa de toda a humanidade, num transcendente e amoroso abraço integral, chamado por Jung de processo de individuação. Nesta atitude, compreender, perdoar e reconhecer que nem todos estão prontos para dar o seu melhor na mesma época é um ato de compaixão e de engrandecimento humano. Acredito que todos os indivíduos possuem qualidades ou graças para serem doadas à serviço da humanidade, porém, a prontidão para que isso aconteça é totalmente individual e depende do processo de autoconhecimento e amadurecimento de cada um. Essa deveria ser a reflexão a ser feita por todos os candidatos a cargos políticos, bem como aos seus respectivos eleitores. De qualquer modo, acredito que o PT possa, com essa trágica experiência de confronto com a sua sombra pessoal e coletiva, redescobrir que na sua essência fundante existe um compromisso hegemônico de igualdade, fraternidade e liberdade com o humano e não com o poder pelo poder. Mesmo assim, não podemos nos esquecer de que não existe mudança externa sem que haja uma mudança interna e que o progresso ou fracasso de cada um implica no progresso ou fracasso de toda humanidade. * WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com