REFLEXÕES SOBRE O CASAMENTO 11 de abril de 2018 “Os jovens amantes procuram a perfeição, velhos amantes aprendem a arte de unir retalhos e descobrem a beleza na variedade das peças…“. (extraí de um diálogo do filme: “Colcha de retalhos”) Casamento é uma relação para ser vivida, onde cada cônjuge deve estar disponível para a manutenção da relação, por meio do diálogo e da confiança. Lembrando que cônjuge é aquele que irá conjugar os verbos, que são as ações da vida psíquica, biológica, social, espiritual, profissional e social com o seu/sua parceiro/a, em todos os tempos e modos. Porém, devido à falta de autoconhecimento, geralmente acabamos buscando em nossos parceiros as compensações ou complementações das nossas dificuldades, o que pode gerar decepções ou paralisas futuras, abalando a confiança. Onde confiança equivale ao fiar com, ou seja, tecer a trama do viver juntos, numa parceria em direção à realização existencial de cada um. O amor, por sua vez, deve ser a base. Porém, é importante deixar claro que ninguém pode dar o que não tem, mas conseqüentemente, também não poderá receber o que não pode dar. Isso é fundamental, porque nossa tendência é a de buscar no outro o que não conseguimos encontrar em nós mesmos. Aí, acusamos o outro ou desejamos modificar o outro, sem percebermos que se queremos mudar nosso destino, toda transformação deve acontecer no nosso íntimo. O mais comum é que cada indivíduo acaba projetando no seu parceiro alguns aspectos sombrios e, ao mesmo tempo, desperta no outro algumas identificações, igualmente projetivas, que fazem parte do jogo das atrações ou repulsões do encontro amoroso. O interessante é que, na maioria das vezes, as pessoas se encantam muito mais com os conteúdos projetados e idealizados do que com a realidade. É um jogo de luzes e sombras onde cada parceiro acaba “comprando” o que quis ou pode ver dos conteúdos, projetados ou reais, no outro. O problema é que, muitos encontros acabam produzindo alianças, ou seja, compromissos formais ou apenas de convívio, e daí surgem às decepções mútuas. Porque, no convívio, cada companheiro quer receber o que adquiriu do outro, transformando-o em devedor, muitas vezes sem perceber que também é devedor de algo que não pode ou não tem para dar. Por isso afirmo que a relação mais difícil de termos é com nós mesmos e depois com os nossos credores, aqueles que “compraram” de nós algo que não podemos dar ou que, pelas mudanças naturais da vida, não queremos continuar dando. Nesse momento é que surgem as crises, pois nos sentimos tolhidos, aprisionados e impedidos de fazer mudanças. Na realidade, todos nós usamos máscaras (personas) para nos apresentar de uma maneira que consideramos mais favorável, devido às influências familiares, sociais, entre outras. E, neste sentido, os amantes só poderão se encontrar de verdade quando forem suprimidos os véus, ou, usando a terminologia junguiana, quando houver o desnudamento das personas. É interessante notarmos que quando um homem resolve casar com uma mulher, no seu íntimo, ele deseja que ela não mude em nada. Bem diferente das mulheres que se casam desejando, no seu íntimo, que aconteça muitas mudanças – mais atenção, presença, maturidade, cumplicidade. Essa realidade é um dos principais fatores para os fracassos conjugais, principalmente depois que a mulher vira mãe! Porque a experiência da maternidade, que é um marco significativo na vida das mulheres, faz com que seus instintos maternais fiquem totalmente aflorados, bem diferentes dos homens que, na maioria das vezes, se sentem inseguros e até deixados de lado por conta da relação entre a mãe e o bebe. Como nossa sociedade está muito competitiva, iludida com os avanços tecnológicos e voltada para as conquistas materialistas do patriarcado, se torna muito comum vermos casais transformarem suas relações numa extensão dessa realidade. Ou seja, deixam de lado o investimento matrimonial, que deveria ser o exercício da alteridade, onde cada um pode aprender a ver-se com os olhos do outro, colocando de lado o próprio umbigo para engajar-se na realização do seu parceiro. Condição necessária para o casamento poder resistir às mudanças e demandas naturais, tanto das partes quanto do entorno existencial. Porém, quando o amor acabou, cada época ou etapa da vida pode ser uma excelente desculpa para justificar as separações. O casamento deveria equivaler à arte da jardinagem onde os parceiros se empenham constantemente em cuidar de si mesmos, do outro e da relação – do eu, do tu e do nós -, onde nenhuma parte pode ser mais importante ou sacrificar a outra. E como a vida é um contínuo processo de trocas, de crises e de dificuldades que, a meu ver, sozinhos até conseguimos ir mais rápido, mas nunca chegaremos tão longe quando estamos acompanhados, a parceria do casamento pode ser uma excelente ferramenta para o crescimento evolutivo e contínuo dos seres humanos. O ideal é transformarmos o casamento em uma eterna partida de frescobol, entretenimento de diversão que tem o objetivo de manter a bola em jogo a qualquer custo, tentando corrigir o erro ou os desacertos do outro. Porém, infelizmente, percebe-se que a maioria dos casais acaba transformando seus casamentos em uma partida de tênis, que tem objetivos opostos ao frescobol, ao pretender o término do jogo o mais rápido possível, definindo, de forma muito competitiva, ganhador e perdedor. Por isso, o único aditivo ao casamento é o amor e os maiores venenos são a competição e a fantasia de controle, geralmente advindos das fantasias de poder que acometem os parceiros que não conseguem lidar com as mudanças, repactuando seus contratos conjugais. Essa repactuação, para o casal que dialoga freqüentemente, não precisa ser explícita, vai acontecendo naturalmente à medida que as demandas vão surgindo. Por isso, não é necessário marcar hora para o famoso “discutir a relação”, pois a relação tem que ser apenas vivida. Atualmente quase 70% dos casamentos terminam nos primeiros dez anos. Isso é um sinal de que as pessoas se casam iludidas e sem terem feito as devidas separações das suas relações parentais. Ou seja, ainda estão identificadas com seus papéis de filhos e, por isso mesmo, não conseguem lidar com as adversidades. Costumo elencar a existência de muitas formas de casamento que oscilam entre um ideal utópico e praticamente inatingível da união satisfatória, segura e motivada até aquela que é inadmissível, presente nas relações sados-masoquistas, pautada pela insatisfação, insegurança e desmotivação amorosa e sexual. Naturalmente, esses extremos, são muito raros e o que mais vemos são as combinações desses aspectos onde, infelizmente, a maioria das relações acaba se estruturando numa dinâmica de insatisfação e desmotivação, amorosa e sexual, apesar da segurança material, relacional e até do status de casado. Isso por conta da ênfase que damos ás questões patriarcal do patrimônio e do desejo iludido de segurança e controle. Desta forma, a meu ver, um relacionamento saudável é aquele em que o principal fator é a satisfação e a motivação amorosa e sexual entre os parceiros, apesar e graças aos sentimentos de insegurança, porque quem busca segurança, como C. G. Jung dizia, é quem está no caminho dos mortos. O amor é um termo muito usado para designar vários tipos de relações, desde as mais nobres até a mera concupiscência, do emocional ao sexual, da livre entrega e libertação até a dependência e aprisionamento, dos níveis carnal e físico chegando às esferas espirituais e sutis. Estas reflexões nos remetem aos antigos gregos para quem o amor passa por um caminho evolutivo, que vai de pornéia a Eros, de Eros a philia e de philia a Ágape. De acordo com a mitologia grega e com os fundamentos da psicologia analítica, é um caminho evolutivo no qual cada fase representa um processo de amadurecimento do ser. Na fase de pornéia, o enfoque está voltado para uma relação urobórica (que representa a cobra que morde a própria cauda) de caráter narcísico, egocêntrico, egoísta e endogâmico. Na fase de Eros, a relação começa a admitir o outro, mas é representada por um apego passional, excludente e dependente, gerando muito mais prisão do que libertação. O enfoque é caracterizado pela sexualidade. Na fase de philia, já acontece uma abertura para o social, percebe-se a inclusão de valores culturais, morais e éticos com características sociocêntricas e até etnocêntricas, mas ainda existe separação e exclusão. A fase de amor Ágape, a meu ver, assemelha-se à compaixão de várias tradições orientais. O que se percebe é uma atitude mundicêntrica ou holocêntrica sem partidos e sem apegos com compreensão e inclusão de tudo e de todos, pois tudo e todos pertencem à mesma unidade cósmica. Desta forma, quando falamos de amor, precisamos saber a que tipo de amor estamos nos referindo. A título de ampliação, os filósofos escolásticos diferenciavam o amor conpiscentiae, que é egoísta, exclusivista e sexual, do amor beneficientiae, que é caracterizado pelo altruísmo com atitudes oblativas, sendo o primeiro muito mais ligado à matéria e ao corpo e o segundo, às dimensões da alma e do espírito. Notamos que, na presença do amor Ágape, a alma se alegra e fica prenhe de vida, o poder deixa de ser necessário e, por conseqüência, o binômio confiança e traição param de rondar a existência. E como o amor Ágape não é excludente, então, o mercado e as relações de negócios não podem ficar separados deste sentimento. O amor, em todas as suas fases evolutivas, paradoxalmente, inclui todas as necessidades do ser, acompanhadas de todas as suas potencialidades. Por isso, o amor possibilita o surgimento da dimensão criativa, da plenitude de beleza e do maravilhamento pela vida. Entregar-se ao amor é entregar-se ao numinoso e a si mesmo, pois o amor une as dualidades geradoras de angústia presentes nas antinomias, tais como: o individual e o coletivo, o interior e o exterior, o material e o espiritual, o desejo profundo e a hostilidade, a alegria e a dor, a tensão e a satisfação, a felicidade e o sofrimento. Por isso, o amor é a sua própria beleza e o seu próprio fardo. É preciso vivenciar plenamente uma fase do amor para poder estar satisfeito e se diferenciar, superando a fase anterior para conquistar a fase seguinte. Por isso, o amor, em todas as suas fases evolutivas, é esperança, não no sentido de espera paciente e passiva com um otimismo ingênuo, pois esta, felizmente, foi a única praga que ficou presa na caixa de Pandora. Não é a convicção do final feliz, mas a certeza de que um sentido, independentemente do desfecho, estará presente. O amor é o que nos dá a força para viver e para experimentá-lo novamente, mesmo quando a vida é penosa e pesarosa, como o agora da maioria das pessoas. O amor principia no íntimo de cada um e é a única chave que nos permitirá estabelecer a relação de amar e de ser amado. Desta forma, apesar do discurso parecer teológico, só poderemos amar o próximo se amamos a nós mesmos. Se não nos amamos, não poderemos dar nem receber, e, então, surgirão relações de poder, com desejos de traição e confiança, que são profanos e oriundos das paixões mesquinhas e neuróticas do ego. As crises só podem ser superadas pelo “santo” remédio do amor, começando do íntimo e para o íntimo de cada Ser, como uma reação em cadeia, expandindo-se por toda a teia do Universo. Ao percebermos que a dádiva e o amor são interdependentes, começamos a entender que dar, receber e retribuir é a base da natureza humana, rumo à evolução da matéria para a biologia, da biologia para a mente, da mente para a alma e desta para o espírito. Em cada etapa surgem trocas, negócios e resultados, mas, acima de tudo, surgem vínculos que possibilitam o crescimento humano. Nesta premissa é impossível excluirmos ou separarmos dádiva, amor e negócios, pois todos são manifestações humanas que fazem parte, teleologicamente, do processo de evolução e de transcendência. Sendo o casamento um excelente caminho para o autoconhecimento e para a realização existencial, desde que nesse convívio o dueto não de espaço para o duelo ou para a acomodação insatisfatória, apesar da segurança econômica. CONTO CHINÊS Diz um Conto Chinês que um jovem foi visitar um sábio conselheiro e disse-lhe sobre as dúvidas que tinha a respeito de seus sentimentos por sua jovem e bela esposa. O sábio escutou-o, olhou-o nos olhos e disse-lhe apenas uma coisa: -Ame-a! Elogo se calou. Disse o rapaz: Mas, ainda tenho dúvidas… Eu perdi o desejo, a atração… -Ame-a, disse-lhe novamente o sábio. E diante do desconcerto do jovem, depois de um breve silêncio, disse-lhe o seguinte: – “Meu filho, amar é uma decisão, não um sentimento ou um desejo”. Amar é dedicação é atitude. Amar é um verbo e o fruto dessa ação é o próprio amor. O amor é um exercício de jardinagem. Arranque o que faz mal, prepare o terreno, semeie, seja paciente, regue e cuide. Esteja preparado porque haverá pragas, secas ou excessos de chuvas, mas nem por isso abandone o seu jardim. Ame, ou seja, aceite, valorize, respeite, dê afeto, ternura, admire e compreenda. Simplesmente: Ame!!!! REFLEXÕES A inteligência sem amor, te faz perverso. A justiça sem amor, te faz implacável.A diplomacia sem amor, te faz hipócrita. O êxito sem amor, te faz arrogante. A riqueza sem amor, te faz avarento. A docilidade sem amor, te faz servil. A pobreza sem amor, te faz orgulhoso. A beleza sem amor, te faz ridículo. A autoridade sem amor, te faz tirano. O trabalho sem amor, te faz escravo. A simplicidade sem amor, te deprecia. A lei sem amor, te escraviza. A política sem amor, te deixa egoísta. A vida sem AMOR… não tem sentido. * WALDEMAR MAGALDI FILHO (www.waldemarmagaldi.com). Psicólogo, especialista em Psicologia Junguiana, Psicossomática e Homeopatia. Mestre e doutor em Ciências da Religião. Autor do livro: “Dinheiro, Saúde e Sagrado”, coordenador dos cursos de especialização em Psicologia Junguiana, Psicossomática, DAC – Dependências, abusos e compulsões, Arteterapia e Expressões Criativas e Formação Transdisciplinar em Educação e Saúde Espiritual do IJEP em parceria com a FACIS. wmagaldi@gmail.com